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CPMF continua engordando os cofres do governo

Sete anos após sua extinção, a contribuição conhecida como imposto do cheque segue rendendo valores expressivos à arrecadação federal. Desde janeiro de 2008, o caixa do governo já recebeu um reforço de R$ 2 bilhões oriundos do imposto

Quase sete anos depois de ser derrubada pelo Congresso Nacional, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), também conhecida como o imposto do cheque, continua ajudando o governo a fechar suas contas. Dados da Receita Federal mostram que desde janeiro de 2008, quando a contribuição deixou de ser cobrada, a arrecadação federal já recebeu um reforço de quase R$ 2 bilhões com o recolhimento do tributo.

Esses valores vêm caindo gradualmente, mas ainda são relevantes. Em 2011, por exemplo, a contribuição rendeu R$ 145 milhões ao governo. Em 2012, o valor foi ainda maior: R$ 193,2 milhões. Em 2013, caiu para R$ 94 milhões. Neste ano, já rendeu R$ 5,6 milhões à União até agosto.

Segundo os técnicos da Receita, dos R$ 2 bilhões arrecadados, R$ 875 milhões são relativos a valores devidos na última semana de 2007. Esse recolhimento só ocorreu em janeiro de 2008. No entanto, o restante do dinheiro vem de ações judiciais que envolvem a CPMF, mas que só foram concluídas posteriormente.

A advogada da área de Direito Societário do escritório AAG – Augusto Grellert Advogados Associados Ana Paula Constantino explica que enquanto as ações estavam em análise, foi suspensa a cobrança da contribuição. Após o julgamento em favor do fisco, essa cobrança teve de ser feita.

Para o tributarista Ives Gandra Martins, o caso da CPMF ilustra bem o quanto o sistema tributário brasileiro é complexo e quanto a Justiça é demorada para concluir processos. “O sistema é muito complexo. Muitas vezes, os contribuintes deixam de recolher um tributo, porque não entendem a regra tributária”, afirmou.

O tributarista lembra que o Brasil é um dos países onde mais tempo se gasta com as chamadas obrigações acessórias, ou seja, com a burocracia exigida das empresas pela Receita. “Enquanto as empresas brasileiras gastam 2.600 horas com as obrigações acessórias, nos Estados Unidos e na Alemanha, esse tempo é de 100 horas a 300 horas”, compara.

Para o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, o maior problema está na morosidade da Justiça. Ele afirma que alguns dos casos que envolvem a CPMF se referem a entidades que alegam ter imunidade tributária e por isso não recolheram a contribuição. “Isso só vai se resolver quando a Justiça julgar a imunidade tributária. Não é um caso específico sobre a CPMF”, disse Maciel.

De acordo com o fisco, em novembro de 2009, por exemplo, a Justiça concluiu um grupo de processos que envolviam a contribuição, o que rendeu à União R$ 96 milhões. “Os processos são os mais variados. Houve contribuinte, por exemplo, que entendeu que a CPMF não poderia ser cobrada sobre determinada operação. Por isso, recorreu da cobrança e brigou na Justiça”, explicou um técnico, lembrando que, normalmente, ações judiciais envolvendo tributos levam, em média, cinco anos para serem concluídas.

Especialistas alertam que possível volta da contribuição pode gerar acúmulo de tributos

De acordo com o tributarista Ives Gandra Martins, o governo precisa dar prioridade a uma agenda de desburocratização e simplificação tributária. No entanto, isso sempre é adiado pelo temor de que a mudança provoque uma perda de arrecadação.

Segundo Martins, muitas vezes, a falta de pagamento de um tributo pelo contribuinte decorre de uma falta de compreensão da lei. “O governo sabe disso. O empresário sabe disso. Todo mundo sabe. Mas o governo não muda, porque teme perder receita”, destaca o tributarista.

Ele lembrou que quando o governo mudou o PIS/Cofins, acabando com a cobrança cumulativa dos dois tributos para diversos setores, as alíquotas foram calibradas para cima, o que acabou resultando em um aumento de cerca de 50% na arrecadação. Na época, a equipe econômica havia prometido que o efeito da medida seria neutro.

No momento, o governo da presidente Dilma Rousseff trabalha na unificação do PIS/Cofins e justifica que esta é uma mudança importante para simplificar a cobrança dos tributos. A medida é considerada prioritária para o Palácio do Planalto. Segundo os técnicos, a ideia é que todos os insumos adquiridos por uma empresa gerem crédito de PIS/Cofins.

O contador Charles Tessmann, da Tessmann Assessoria Empresarial, com sede em Porto Alegre, diz que o governo federal pressiona para a volta da CPMF, mas também quer que se mantenha a cobrança do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) e pretende, assim, aumentar a arrecadação aos cofres públicos. “Atualmente, se paga impostos sobre a mesma base de cálculo, bitributação, bis in idem, impostos em cascata, diferença de impostos para cada estado e tantas dificuldades tributárias que dificultam a transparência fiscal”, complementa.

Para Tessmann, a criação de novos impostos não é necessária. “O que é preciso é que haja uma boa gestão dos tributos e que eles sejam revertidos em benefícios à sociedade”, destaca.

Segundo Ives Gandra Martins, é pouco provável que o governo faça essa mudança sem elevar a carga tributária, especialmente considerando a atual dificuldade das contas públicas, nas quais falta receita para o pagamento das despesas da União. No momento atual, qualquer recurso que ingresse nos cofres do Tesouro faz diferença. Entre janeiro e setembro deste ano, o setor público consolidado registrou um déficit de R$ 15,3 bilhões, sendo que o compromisso para o ano é de um superávit de R$ 99 bilhões.

Nordeste defende retorno do ‘imposto do cheque’

Capitaneado pelo governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, o encontro entre governadores eleitos do Nordeste nas últimas eleições teve como um dos temas centrais a discussão sobre a retomada da CPMF. A reunião, ocorrida no dia 9, em João Pessoa, serviu para os governadores articularem uma pauta de demandas a ser encaminhada à presidente Dilma Rousseff.

Um dos temas em debate, segundo Coutinho, é a criação de uma “contribuição social” para a área da saúde. A defesa da recriação do imposto deve ser formalizada em um documento que será encaminhado à presidente Dilma. Os problemas enfrentados como investimentos em infraestrutura também deverão constar no texto.

Entenda o longo e tortuoso caminho da contribução

A CPMF, que se tornou popularmente conhecida como o imposto do cheque, começou a vigorar em 1997, após a extinção do então Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que havia sido criado em 1993. A previsão inicial era que a CPMF, com alíquota de 0,2% sobre cada transação financeira, durasse até 1998. Mas, com a maxidesvalorização do real em 1999, a cobrança foi prorrogada até 2002. Desta vez, a alíquota foi elevada para 0,38%.

Em uma emenda, ficou definido que, do total arrecadado com a CPMF, 0,2 ponto percentual iria para financiar os investimentos em saúde, outro 0,1 ponto iria para o custeio da Previdência Social e o 0,08 ponto restante para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Em 2008, a proposta de prorrogação da cobrança da CPMF foi rejeitada, representando uma derrota para o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até que, no fim de 2010, o governo tentou articular uma tentativa de volta da CPMF, com o pretexto de se criar um novo imposto para financiar a saúde, mas a proposta não vingou, após críticas de todos os setores da economia e da população.