Utilidades
Um olhar analítico sobre a política monetária brasileira
Na atualidade, é crescente a teoria de que os bancos centrais procuram conduzir a política monetária
Na atualidade, é crescente a teoria de que os bancos centrais procuram conduzir a política monetária estabelecendo uma comunicação efetiva com os participantes do mercado financeiro, no intuito de reduzir a incerteza de sua atuação sobre as taxas de juros de curto prazo e fornecer informações para que o mercado avalie o caminho esperado das taxas de juros de longo prazo.
Com isso, as autoridades monetárias ao redor do mundo utilizam uma taxa de juros de curto prazo como instrumento de política monetária, com a esperança de que, ao afetar essa taxa, estarão alterando a taxa de juros de longo prazo da economia, uma vez que essa taxa é a que afeta a demanda agregada.
Por outro lado, os mercados financeiros internacionais desenvolveram alguns instrumentos de renda fixa, dentre os quais citamos os vários títulos para financiar a dívida pública, títulos comerciais lastreados em hipotecas, diversas modalidades de debêntures, dívidas subordinadas, instrumentos nos mercados futuros e de opções atrelados às taxas de juros, operações de swaps de crédito, taxas de juros, dentre outros.
Além da diversificação dos instrumentos, o mercado de renda fixa tem apresentado crescimento expressivo, particularmente no Brasil, o que traz novas análises do ponto de vista de investimento e leva a novas necessidades de entender os movimentos desses papéis.
O choque na meta de inflação tem efeito positivo permanente sobre o nível da curva de juros
Por outro lado, uma idiossincrasia financeira brasileira é a presença do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujas operações também exercem influência na cessão de créditos de médio e longo prazo e com taxas de juros para médias e grandes empresas que, em certa medida, estão abaixo do custo médio do mercado financeiro.
Nesse ambiente econômico, o Banco Central procura atuar no sentido de definir a condução da política monetária ao interferir na taxa de curto prazo (taxa Selic) para influenciar a taxa de longo prazo do mercado financeiro, mas o BNDES atua com taxas subsidiadas no longo prazo e afeta a evolução da curva de juros do mercado bancário brasileiro, haja visto que sua estratégia de atuação tem outros objetivos.
Como ingrediente adicional, a crise econômica denominada "subprime", iniciada em 2007 nos Estados Unidos, cujos reflexos na economia brasileira ocorreram a partir de 2008, ressaltou os desafios de entender os movimentos transitórios como forma de melhorar a condução da política monetária. Nota-se que certos aspectos chamam a atenção com respeito ao comportamento das taxas de juros de longo prazo dos títulos de dez anos do governo americano (taxa à vista que o mercado espera vigorar no futuro, acrescida do prêmio do termo). Nos EUA, a taxa futura de um ano para os próximos três anos, a partir de 2004, subiu 1,5%, enquanto a taxa de um ano para os próximos nove anos caiu 1,5% e a taxa para os próximos dez anos ficou inalterada.
Esses efeitos da economia americana reforçam a conclusão de que, nem sempre, uma atuação na taxa de curto prazo pode gerar o efeito com a mesma magnitude sobre toda a estrutura a termo de taxas de juros, realçando a necessidade de identificar que variáveis macroeconômicas são responsáveis pelos movimentos na estrutura a termo de juros.
Uma das questões a serem respondidas nesta tese é como as mudanças nas expectativas da condução da política monetária e fiscal podem afetar o spread do termo do mercado financeiro brasileiro, isto é, como modificam as taxas de curto e de longo prazo do mercado interbancário. Assim, será possível avaliar se esses movimentos estão em desacordo com a atuação da política monetária de curto prazo.
Outra questão relevante a ser investigada é identificar como o spread do vencimento da curva de juros brasileira afeta os parâmetros estruturais de nossa economia, em particular no que tange ao equilíbrio com convergência para o estado estacionário.
A tese pretende relacionar os conhecimentos microeconômicos do mercado financeiro contido na precificação da estrutura a termo das taxas de juros com a teoria dos novos keynesianos, que fornece valiosas conclusões sobre a condução da política econômica de forma geral. Com isso, a pesquisa fornece evidências inéditas capazes de esclarecer e evidenciar certos movimentos que podem facilitar tanto a condução da política monetária pelo Banco Central do Brasil como a percepção de risco e da trajetória de juros pelas instituições financeiras brasileiras.
Inicialmente, a tese traz uma revisão da literatura sobre estrutura a termo das taxas de juros que será útil para esclarecer a precificação dos títulos e a maneira pela qual as instituições financeiras brasileiras interpretam as variações no preço dos juros.
A partir dessa revisão, destacam-se dois modelos que seguem a hipótese de ausência de oportunidades de arbitragem livres de risco, que são: (a) o modelo de Diebold, Rudebusch e Aruoba (2006), que será usado para a extração de fatores latentes da curva de juros a partir de interações dinâmicas de variáveis da macroeconomia e (b) o modelo de Cox, Ingersoll e Ross (1985), que será utilizado para estimar o equilíbrio geral.
O impacto numa única direção
Em seguida, o modelo de Diebold, Rudebusch e Aruoba (2006) serve para investigar a hipótese de que o prêmio dos títulos de longo prazo tem comportamento anticíclico (investidores não desejam assumir riscos em momentos incertos) enquanto os rendimentos dos títulos de curto prazo são pró-cíclicos (a política monetária reduz os rendimentos de curto prazo durante a recessão para estimular a atividade econômica).
Nesse ponto, a tese procura explicar os movimentos da inclinação da estrutura a termo de taxas de juros brasileiras como função de variáveis macroeconômicas observáveis, adotando uma análise de equilíbrio parcial e o estimador de regressão de transição suave (STR), avaliando quais as principais variáveis macroeconômicas capazes de fornecer explicação para as variações no spread do termo (diferença entre a taxa de longo prazo e a de curto prazo) e identificando a variável capaz de alterar a direção da condução monetária.
As conclusões do modelo de Diebold, Rudebusch e Aruoba (2006) no Brasil indicam que a política monetária tem efeito significante sobre o diferencial entre as taxas de juros de curto e longo prazo. Em particular, verificou-se que o coeficiente do IPCA é positivo na parte linear da estimação, mostrando que o efeito da taxa de curto prazo é superior ao efeito na taxa de longo prazo. Com isso, ao controlar a inflação via política monetária, o Banco Central estará controlando a expectativa do mercado financeiro quanto às taxas de juros de curto prazo.
O resultado primário é relevante nos momentos de instabilidade econômica
O resultado primário é relevante nos momentos de instabilidade econômica (parte não linear da estimação), em que o efeito negativo dos coeficientes significantes é indicativo de que o superávit primário é importante para gerar a credibilidade de que o montante de recursos obtidos pelo governo será suficiente para controlar a dívida líquida e, com isso, menor será a percepção de risco do mercado financeiro, o qual é evidenciado pela redução do spread do termo das taxas de juros.
Um dos resultados mais relevantes foi encontrar a variável macroeconômica capaz de explicar as alterações na estrutura a termo de taxas de juros da economia brasileira (inclinação e curvatura). Em particular, destaca-se sua relevância para explicar os momentos de crise. Na economia brasileira e na amostra estudada, essa variável é o Risco Brasil medido pelo EMBI+Brasil.
Ao verificar a relevância das variáveis macroeconômicas influenciando o spread dos juros, percebeu-se, também, a necessidade de avaliar o impacto das variáveis macroeconômicas num modelo de equilíbrio geral, de forma que a causalidade ocorra nas duas direções (macroeconomia Ö curva de juros), para possibilitar análises das trajetórias de equilíbrio da economia e de seus efeitos sobre a estrutura a termo de taxas de juros.
Casualidade nas duas direções
Com o intuito de avaliar o impacto das variáveis macroeconômicas sobre a convergência das taxas do mercado financeiro para o estado estacionário, substituímos o estimador não linear pelo estimador linear do método dos momentos generalizados e passamos para uma análise de equilíbrio geral dinâmico estocástico, deduzindo o modelo Cox, Ingersoll e Ross (CIR) dentro do modelo novo keynesiano padrão.
Nessa análise, estima-se o modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico (Dynamic Stochastic General Equilibrium - DSGE), pelo estimador do método dos momentos generalizados, para avaliar o impacto das variáveis macroeconômicas sobre o equilíbrio estacionário das taxas praticadas no mercado financeiro.
Essa análise segue o modelo estrutural de Bekaert, Cho e Moreno (2010), o qual é composto pela curva IS, pela curva de Phillips, por uma Regra de Política Monetária, pelo Produto Natural Endógeno e pela Meta de Inflação.
Dentre os parâmetros estruturais estimados na curva IS, o impacto do produto futuro foi menor que o impacto do produto do período anterior, o que mostra a relevância do produto passado na formação do produto corrente.
Na curva de Phillips, o componente "forward-looking" foi inferior ao componente "backward-looking", resultado oposto ao verificado por Bekaert, Cho e Moreno nos EUA. Isso ocorre, provavelmente, porque a economia brasileira ainda mantém certa memória inflacionária decorrente do longo período de indexação vivido nos anos anteriores ao Plano Real.
Na estimação da regra de política monetária, a diferença entre a inflação esperada e a meta de inflação medida pelo parâmetro foi 20% superior ao índice verificado na economia americana.
Após a estimação dos parâmetros estruturais, a análise de decomposição da variância mostra a contribuição de cada choque macroeconômico na mudança das variáveis, em diferentes horizontes temporais.
Nessa análise, percebe-se que a variância da inflação é explicada pelo choque da curva de Phillips (AS) nos horizontes de curto prazo. Entretanto, nos demais horizontes, a inflação é determinada pelo choque da meta de inflação.
O produto natural somente não é explicado, no horizonte de curto prazo, pelo choque da curva de Phillips e pelo choque de produtividade. Nos demais horizontes, o impacto do choque da curva IS reduz sua importância e os choques da curva de Phillips e de produtividade aumentam.
A dinâmica da taxa Selic é dominada pelo choque de política monetária para horizonte curto e nos prazos mais longos pelo choque da meta de inflação.
Após a decomposição da variância, é usual avaliar como se propagam e quais são os efeitos dos choques. Para tanto, utilizam-se as funções de impulso e resposta. A ideia da função impulso/ resposta é mostrar o que ocorre com a variável de interesse em resposta a um choque exógeno da economia, este condicionado à premissa de que a economia está em equilíbrio antes do choque.
A primeira dessas análises foi avaliar a resposta dos fatores nível, inclinação e curvatura diante do impulso da curva IS, da curva de Phillips, da taxa de juros de política monetária, do choque de produtividade e do choque na meta de inflação.
O choque na curva de Phillips, inicialmente, faz aumentar o nível das taxas de juros. Mas, depois, possivelmente relacionada a uma forte resposta do Banco Central para conter a inflação, ocorre uma queda das taxas de juros.
O choque na meta de inflação tem efeito positivo permanente sobre o nível da curva de juros. A inclinação e a curvatura inicialmente aumentam, depois caem abaixo do estado estacionário e oscilam até sua convergência.
Para verificar o impulso da curva IS, da curva de Phillips, da taxa de juros de política monetária, do choque de produtividade e do choque na meta de inflação, também foi analisada a resposta nas taxas de juros de um dia, um ano, cinco anos e dez anos de um impulso dado pelos cinco choques macroeconômicos.
O choque da curva de Phillips faz aumentar de imediato as taxas de juros, que vão oscilando em torno do estado estacionário, até convergir após 40 trimestres. Outro aspecto relevante é o impacto maior nas taxas de curto prazo.
O choque da curva IS tem como resposta um aumento nas taxas de juros em todos os termos, com efeito semelhante na taxa para um dia e um ano. Nos termos de cinco anos e dez anos, o efeito desse aumento vai reduzindo.
O choque de política monetária mostra um aumento relevante na taxa de juros de um dia, que vai oscilando até convergir no estado estacionário. A resposta da taxa de um ano é um suave aumento e posterior oscilação até a convergência. Nas taxas para cinco e dez anos o efeito é uma redução nas taxas com impacto maior de queda na taxa a 20 trimestres.
Os choques nas metas de inflação aumentam todos os termos de juros no horizonte de curto prazo, mas os efeitos são maiores sobre os prazos mais curtos (um dia e um ano), comparativamente ao longo prazo (cinco e dez anos).
Conclusão
Este trabalho avalia a relação entre o mercado financeiro e o equilíbrio geral da economia brasileira, quantificando o efeito das taxas de juros bancárias sobre o PIB, a variação do IPCA e o regime de metas de inflação.
Na análise de equilíbrio parcial, demonstra-se a importância do superávit primário para a credibilidade do governo em momentos de instabilidade e identifica o EMBI+Brasil como variável que explica a mudança na inclinação da estrutura a termo das taxas de juros.
Na análise de equilíbrio geral, as conclusões indicam que o choque na meta de inflação no Brasil domina a variação nos fatores "nível e inclinação", enquanto o choque de política monetária domina a variação do fator "curvatura" no horizonte de curto prazo.
Por outro lado, o choque na meta de inflação a ser perseguida pelo Banco Central leva ao aumento de todos os termos dos juros, com efeito maior sobre os termos de curto prazo, se comparados aos de longo prazo.
De forma geral, percebe-se que a política monetária tem um efeito na taxa de curto prazo superior ao efeito no longo prazo. Assim, ao controlar a inflação via política monetária, o Banco Central possivelmente estará controlando a expectativa do mercado financeiro quanto à trajetória das taxas de juros brasileiras.
O autor é gerente de validação da gestão do capital (Icaap) e dos modelos AMA de risco operacional do Banco do Brasil S.A. As opiniões expressas ou possíveis erros e omissões são de responsabilidade do autor e não da instituição.